Decorridos pouco mais de dez meses desde que a utilização do eSocial se tornou obrigatória às empresas que tiveram faturamento anual superior a R$ 78 milhões em 2016, essa forma de declaração e envio das obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas ainda gera muitas dúvidas e preocupações.
Isso se dá principalmente por conta do poder que essa ferramenta proporciona à Receita Federal do Brasil (RFB), ao Ministério do Trabalho (MTb), ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e à Caixa Econômica Federal (CEF), como gestora do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de fiscalizar o cumprimento das legislações trabalhista, previdenciária e tributária pelas empresas.
Essa preocupação é plenamente justificável já que com o eSocial as empresas estarão mais expostas à autos de infrações pela RFB e pelo MTb, bem como a ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Com a implementação do eSocial, os órgãos participantes terão mais detalhes das informações transmitidas, como a segregação dos valores pagos (evento S-1200 – Remuneração do Trabalhador) e a indicação de incidências tributárias das rubricas (evento S-1010 – Tabela de Rubricas). Eles também poderão cruzar informações, inclusive com outros sistemas eletrônicos já existentes, e monitorar eventuais inconsistências, fiscalizando em tempo real o cumprimento de todas as normas trabalhistas, previdenciárias, do FGTS e do Imposto de Renda.
Essa redução considerável da necessidade da fiscalização física e/ou de solicitações de documentos levanta alguns pontos de atenção.
Embora as empresas, atualmente, não precisem enviar os controles de pontos dos seus empregados ao ambiente do eSocial, a informação de pagamento de horas extras no evento S-1200 (Remuneração do Trabalhador) que indique a realização de mais de duas horas extras por dia pelo empregado pode gerar multas por infração à limitação legal prevista pelo art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Da mesma forma, a informação de crédito no banco de horas no evento S-1200 que indique a realização de mais de duas horas extras por dia pelo empregado, pode gerar multa por infração ao mesmo art. 59 da CLT.
A lei nº 13.467/2017, chamada de Reforma Trabalhista, prevê que o pagamento pela falta de concessão, total ou parcial, do intervalo intrajornada, destinado para refeição e descanso do empregado, tem natureza indenizatória. Isso contraria o entendimento da Justiça do Trabalho que atribuía natureza salarial (hora extra) a essa verba. O pagamento habitual dessa indenização no evento S-1200 atrai o risco de autuações pelo MTb e de ações civis públicas pelo MPT pelo descumprimento do art. 71 da CLT.
A declaração habitual de pagamento de valor pela falta de concessão do intervalo mínimo de 11 horas entre uma jornada de trabalho, intervalo intrajornada, é outra também que atrai o risco de autuações pelo MTb e pedido de dano moral coletivo pelo MPT em razão do descumprimento do art. 66 da CLT. Nesse caso, as empresas deverão analisar a natureza jurídica (salarial ou indenizatória) a ser informada no evento S-1010 (Tabela de Rubricas), pois, diferentemente do intervalo intrajornada, não há previsão na legislação trabalhista.
A elaboração do chamado Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT) complementar, comumente adotado pelas empresas para pagamento de diferenças de verbas rescisórias, não será mais possível. As empresas deverão retificar o evento S-2299 (desligamento) e, caso haja pagamento de diferenças de verbas de natureza salarial, pode ocasionar também o pagamento de multa e juros pelo recolhimento de contribuição previdenciária em atraso;
No que diz respeito à Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) o seu pagamento em valor desproporcional à remuneração anual do empregado ou a diretores não empregados pode gerar questionamentos da RFB. Segundo algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), esses pagamentos se sujeitariam à contribuição previdenciária por não estarem em conformidade com a Lei nº 10.101/2000;
O art. 225 do decreto nº 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) determina que as empresas elaborem folha de pagamento destacando as parcelas integrantes e não integrantes da remuneração. Assim, caso a empresa pague ao empregado parcela de natureza indenizatória, como reembolso de despesas, deverá informar essa parcela no evento S-1200, sob pena de ser autuada por descumprimento de obrigação acessória.
O eSocial exigirá maior cuidado das empresas com o cumprimento das normas trabalhistas, previdenciárias, do FGTS e do Imposto de Renda. É importante que estas revisem a incidência de suas rubricas nas verbas trabalhistas, previdenciárias e tributária e revisem os procedimentos trabalhistas e previdenciários.
Garantir a integração e comunicação entre os setores da empresa, como recursos humanos, jurídico e fiscal/contábil, é importante para que um departamento não seja surpreendido com o procedimento adotado sem prévia comunicação por outro, gerando a necessidade de retificação dos eventos do eSocial.
(*) Thiago Ramos Barbosa e Marcel Augusto Satomi são advogados da área de Direito do Trabalho e Tributação do Trabalho no escritório Machado Associados.
Fonte: Granadeiro.adv.br – Adaptado